O conto do Loro me fez lembrar de outro velório.
Vou contar para vocês o que aconteceu.
Era fevereiro e o cerrado fica lindo. Muitas flores, frutos e chuva!
Em meio a tudo isso numa manhã uma das minhas amigas me liga dizendo que o pai da Maria havia morrido naquela noite (era aniversário dele e a familia numerosa geralmente se reunia e comemorava).
Dedicada com os amigos e sendo muito querida pela familia fui imediatamente para o velório. Lá dei graças a Deus não haver comparecido á festa na noite anterior. Seu Chico havia morrido dançando com a filha caçula, que era a favorita dele e confidente. Era justamente Maria minha grande amiga naquela casa. Fui consola-la.
Lamúrias, descrição permonerizada do infortúnio e de como ele nem teve tempo de dizer qualquer coisa. O enfarte foi fulminante. Todos estavam em choque. Ele era comedido com a comida, boa pressão, bom humor, muito alegre e falante. Morrer assim em silêncio. Uma grande lástima.
Bem, todo velório é igual. Alguns choram copiosamente todo o tempo e precisam ser amparados e contidos. Há aqueles que ficam em pesado silêncio. Há outros que falam sem parar como se assim pudessem dissipar o desconforto com a dor alheia ou com a própria.
A viúva, D. Elza postada firmente ao lado direito do caixão. Alguns filhos e netos do outro lado, faziam uma respeitosa platéia.
Eu e Maria olhavamos os presentes de onde estávamos. Havia muita gente. Perguntei a ela se conhecia todos ali e ele disse que sim. A marioria parentes diretos ou não. Dádiva do lindo povo do nordeste.
Seu Chico era cearence. De repente vimos uma jovenzinha se aproximar do caixão, debruçar sobre o morto e chorar escandalosamente. A mãe veio em seguida e o quadro se completou. Todos ollhavam atônitos. Ninguém as conhecia. Eu procurei o marido, pai da menina, não vi. Um desespero tomou-me e a todos. Ninguém ousou dizer nada, nem interferir com medo do que se ouviria delas. Ficaram ali um longo tempo. Ninguém falau com elas.
Elas não falaram com ninguém. Só foram interrompidas pela Padre que chegara para a missa de corpo presente. Que alívio. O confronto fora adiado. A verdade não seria ali revelada.
Permaneceram todo o tempo ao lado do corpo e choraram amargamente no momento do sepultamento. Até mais que alguns filhos e netos.
A especulação era inevitável. 45 anos de fidelidade matrimonial manchada na hora da morte. D. Elza não ousava falar. No meio da semana fui visita-la e ela desabafou toda sua angústia. Ela tinha medo de confirmar seus temores. Ninguém conhecia as duas mulheres e nem sabiam como encontra-las. Como sou mulher de ação, resolvi falar com os dois caçulas, Maria e Wendel que tentassem saber quem eram elas. Mas como? Felizmente na missa de sétimo dia lá estavam elas. De preto e muito unidas. Gelamos, mas Maria se armou de coragem, afinal a mocinha poderia ser sua irmã. Falou com ela. Mistério desfeito.
Seu Chico caminhava todas a manhãs e sempre parava no portão dessa familia para conversar com elas. Ficou amigo da familia e apenas não estendeu a nova amizade á sua familia. Era o jeito dele de dizer que ele tinha algo só dele. O impressionante é que moravam na mesma rua. Maria falou francamente da suspeita que pairou desde o velório, da angústia e que a menina fosse irmã, incorporariam-na á familia.
Negada essa possibilidade, se abraçaram e choraram juntas.O pai da menina era piloto, moravam próximo ao aeroporto e ele viajava muito. É piloto de de voos internacionais. Que alivio.
Seu Chico continuava com a imagem imaculada, graças a Deus.
Todo ano se celebra o aniversário de sua morte, que é seu aniversário de nascimento. Da mãe e da menina nunca mais se ouviu falar, mas ainda há quem pense que seu Chico deixou duas viúvas e muitos orfãos.
Vai saber! Coisas do Cerrado. Coisas do Ceará.
Marizete Pires
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Comentários
Oi amigos,
Vocês são todos muito incentivadores. Mui gentis também.
Tyr,
Quando a "cria" vem não há razão para segura-la.
Um abraço
Loira adoro ler seus textos vc devia escrever mais flor, fika meu incentivo se é ki vale
Pois é Loira Inteligente..
Velorio no nosso Nordeste tem causos e mais causas que dariam paginas e paginas de hilariantes historias.
Qualquer dia vou postar o velorio do maior cachaceiro que viveu numa cidadezinha aqui perto.
Abraços minha amiga
Nossa, LoiraInteligente, que texto "LoiroInteligente"! Ele faz jus ao seu pseudônimo! Muito bom, mesmo! Fiquei entretido do início ao fim! Demais!!
Fiquei a pensar, agora, nas pessoas que conhecemos, mas, ninguém mais sabe que as conhecemos... Assim como é triste saber que um amigo não está mais neste mundo palpável, igualmente também é não saber mais sobre o mesmo, que pode ter nos deixado!
Espero ler bem mais contos seus... Não nos deixe!
Abraços cordiais,
Pelo menos esse!
Loira! Voce escreve bem rápido, sabia?